Apocalipse 16, Tina - Contos da Sul letra (lyrics)
[Apocalipse 16, Tina - Contos da Sul letra lyrics]
Sempre acreditei num mundo melhor
Mesmo quando eu engravidei
Ainda sendo de menor
O pai do meu filho, ele me abandonou
Mas ainda sim eu acreditava nas pessoas
Acreditava que talvez um dia
Pudesse ser feliz
Eu estudava, procurava de todas as formas
Ser uma mulher honrada
Sonhava com um futuro melhor pro
Meu filho e minha família
Todo dia cedo ia do Jardim Ângela pro
Centro à procura de um emprego
Meu pais ganhavam pouco
Eu tinha que ajudar no sustento da casa
Um dia recebi um telegrama
Dizia que eu estava contratada
Naquele dia fui dormir em paz
Pois logo estaria empregada
No primeiro dia de trabalho
Eu estava muito feliz
Pois minha vida estava começando a ser
Como eu sempre quis que fosse
Todos no escritório foram gentis e doces
Passou a manhã, veio a tarde
O primeiro dia se foi
Fui para casa naquelas condições
Condução lotada
Porém feliz, estava empregada
Segundo dia de trabalho fiquei
Até mais tarde, a pedido do meu patrão
Pois havia uma reunião e eu não podia recusar
Pois havia o risco dele me dispensar
Deu 21: 30, saí, desci
Sentido Praça da Bandeira
Apertei o passo, fui ligeira
No caminho a Santo Amaro
Toda parada dormia e acordava, e nada
Não via a hora de chegar
Desci do ônibus, olhei no relógio: 23: 30
Vi a rua escura, vazia e molhada
Só eu, Deus e mais nada
Fui pelo caminho normal, beirando o matagal
Tive um presságio mal
Parecia que estava próximo o meu final
Mas que nada, nem terminei o colegial
Besteira, pensamento normal
Antes fosse meu pensamento foi interrompido
Por três indivíduos que não foram doces
Uma pancada na cabeça me deixou atordoada
Lembro de ver o mato se abrir
E pra dentro ser arrastada
Tive minha roupa rasgada, fui estuprada
Torturada meus sonhos foram sumindo até
Se transformar em nada
Dois dias depois fui encontrada morta
Com a cara desfigurada, desfigurada
Contos da Sul, contos da Sul
Contos da Sul, contos da Sul
Contos da Sul, contos da Sul
Lá no Nordeste
Eu sempre escutava falar que São Paulo
Era a terra da oportunidade
Imaginava que vindo pra cá
Eu poderia me transformar em
Alguém de verdade onde eu morava tinha seca
Faltava água e a comida nunca dava
Acabei vindo pra São Paulo
Cheguei aqui sem nada
Só com a esperança de com o meu trabalho
Conquistar meu carro, minha casa
Mandar dinheiro pros meus irmãos
Não demorou pra eu perceber
Que era tudo ilusão
Acabei tendo que me sujeitar
A maioria dos que vem do
Norte acaba sempre na periferia
Fui parar num lugar chamado Capão Redondo
Onde o crime é cruel o tempo todo
Polícia versus ladrão
Aqui eu era só mais um servente de pedreiro
Sem nenhuma qualificação
Logo arrumei um trampo numa construção
Emprego de peão, mas para mim já estava bom
Tinha almoço e janta
100 reais para começar e um
Lugar pra se alojar eu não podia reclamar
A memória do meu pai eu jurei que iria honrar
Ele dizia pra eu trabalhar e nunca
Jamais roubar
Também dizia que isto estava escrito
Na Bíblia em algum lugar
Três meses completou que estou em São Paulo
A mão cheia de calo, o trabalho é pesado
Cinco da manhã já estou acordado
Ah, como eu queria ter estudado
Deito e levanto nisso desde que cheguei aqui
Daqui nunca sai nem mesmo pra me divertir
Chegou sexta-feira
E os outros caras me chamaram para ir no bar
Tomar um trago, jogar carta, dominó ou bilhar
Que mal há os acompanhar?
Tava contente, pois pra mim era um presente
Um trabalho de verdade, sentia orgulho
Eu era gente
De repente um Opala freou bruscamente
Na porta do bote e eu fiquei esperto
Dois cara armado, o de capuz na cara entrou
Um deles gritando perguntou quem era o Baiano
Me levantei da mesa onde
Estava sentado, tremendo, suando
Assustado, pois esse era o apelido que os
Mano da obra tinha me dado
O cara de capuz que tava
Com a automática na mão
Me mandou deitar no chão, chamou o outro
Engatilhou
Apontou pra minha cabeça e fuzilou
A única coisa que me lembro
É do meu sangue escorrendo
E os cara saindo correndo
Antes de morrer ouvi alguém dizer
Que o Baiano que os cara procurava
Era o nóia da área
Que cheirava e não pagava, não pagava
Não pagava
Contos da Sul, contos da Sul
Contos da Sul, contos da Sul
Contos da Sul, contos da Sul
Na periferia é sempre assim
O pior fica pra você, o pior fica pra mim
Crescer sem pai, sem mãe, é difícil
O fato de saber que eles morreram num assalto
Me deixa revoltado, morô?
Ai de mim se não fosse o meu avô
Que me criou, me botou na escola
Se não fosse ele, acho que nem tava mais vivo
Mas aí
Tá vivo até hoje acho que é meu castigo
Têm marcas que nunca vão ser apagadas
Têm feridas que vão doer pra
Sempre na alma da gente
A estrada que eu tô até hoje, não tem volta
Também não dá pra ir pra frente
Quando era pivete
Imaginava que tudo fosse diferente
Diferente, diferente, diferente
Lembro-me na infância
Eu um moleque cheio de esperança
Correndo no campão de terra atrás da bola
Perdi a conta de quantas
Vezes cabulava na escola
O dia todo debaixo do Sol
A única coisa que eu queria era
Ser um jogador de futebol
Era melhor que a maioria dos muleque
Jogava o dia todo e para mim não tinha breque
Meu avô que me criou sempre me apoiou
Foi ele que me levou a
Primeira vez no estádio
Quando vi o campo meus olhos brilharam
Meu avô era o único que comigo se importava
Ele era a única pessoa que eu tinha
Minha família e eu o amava
O tempo passando e eu
Sempre no campão treinando
Já estava com dezessete
Fiz vários testes no Corinthians, São Paulo
Palmeiras
Mas consegui entrar no Juniores da Portuguesa
Meu avô bancava tudo, até minha chuteira
Era ponta firme
Queria me ver titular do time, longe do crime
Um dia eu estava treinando no campão
Junto com os outros mano
Quando vi um maluco se aproximando
Parou o jogo, chamou todo mundo de canto
Olhou pra mim, me deu um barato estranho
Percebi que era um pó branco
Mesmo sabendo o que era resolvi experimentar
Foi ali que minha vida começou a mudar
Perdi minha paz, sempre queria muito
Sempre queira mais e mais
Esqueci o futebol e agora jogava
O jogo de Satanás
Minha vida passou a ser outra
Não demorou muito e eu estava envolvido
Com os parceiros da vida louca
Mano, como tudo mudou em apenas um ano
Não conseguia me libertar
Não tava com disposição nem mais para saltar
Era dia do meu avô retirar a aposentadoria
Ele chegou em casa, tinha acabado de receber
No descontrole, segurei-o e comecei a bater
Tava na nóia brava
Ele gritava, dizendo que me amava
Eu não ouvia e nem me importava
Mas no fundo, em algum lugar
Aqueles gritos machucava
Revistei-o por inteiro
Mas ele tinha escondido o dinheiro
Saquei o oitão e pá, dei o primeiro
Tentou me explicar que tinha guardado
Para me pagar um tratamento
Infelizmente nem deu tempo
Sem dó descarreguei a arma
Naquele momento matava a única
Pessoa que me amava
Naquele momento eu perdi a minha alma
Hoje só tenho lembranças e mais nada
Atrás das grades do Carandiru até
Minha honra foi tirada
Preso há quatro anos, sem previsão para sair
Estupro, espancamento
E o vírus que está me consumindo por dentro
Mano, eu só lamento meu Deus, como eu queria
Poder voltar no tempo, tempo
Poder voltar no tempo, tempo
Poder voltar no tempo, tempo
Contos da Sul, contos da Sul
Contos da Sul, contos da Sul
Contos da Sul, contos da Sul
As injustiças, as desigualdades
Um dia vão ter um fim
O Sol da justiça vai brilhar na periferia
Morô?
O sangue vai deixar de escorrer pela calçada
A pivetada vai estar segura por aí, correndo
As mães não usarão mais
Luto pelos seus filhos
Não haverá mais tiros, nem sirenes
Não vai ter mais humilhação pela polícia
Nem corpos no chão, à espera da perícia
As prostitutas e o dinheiro
Não vão salvar ninguém, morô?
A BMW do boy não vai servir pra nada
Nem as joias, nem o ouro, nem a prata
Está chegando o dia da justiça
O dia da redenção dos humildes
Está chegando o dia da Segunda Vinda, a Cura
Segunda vinda do filho de Deus, Jesus
O Senhor dos senhores reis dos reis
Então, escuta com atenção
Confia Nele, meu mano confia Nele, mina
Só mesmo Deus pra dar paz na sua vida
A paz não é um sonho
Sua palavra, Senhor, é lâmpada pros meus pés
Guia-me pelas veredas da justiça
Ele virá, vai voltar pra buscar os justos
Os humildes
De todas as quebradas
Do Jardim Guarujá, Vila Moraes, Vila Nhocuné
Vila Cachoeirinha
A paz não é um sonho, Eliópolis
Campanário, Jardim Herculano
Vocês vão ter paz quando Ele voltar
Monte Azul, Vila Brasilina, Jardim São Bento
Jabaquara
Jardim Damasceno, Parada de Taipas
Morro do Macaco
Aí mano, a paz não é um sonho
Escuta o que eu tô te falando
Aí, é muita treta, mas Ele vai voltar
Acredita nisso periferia