Marcello Gugu, Wesley Camilo - Onde Morrem os Elefantes letra (lyrics)
[Marcello Gugu, Wesley Camilo - Onde Morrem os Elefantes letra lyrics]
Minha mãe entrou em casa dizendo
Que minha vó tinha
Arrumado um namorado novo seu
Roberto primeiro achei que era mentira
Que era mais uma história
Que minha mãe tinham
Inventado pra me provocar depois
Olhando pra minha vó
Vi que ela realmente parecia apaixonada
Em seus olhos via-se aquele tipo de
Paixão que faz seu coração
Bater tão rápido quanto da primeira
Vez que você apertou uma
Campainha e saiu correndo, ou melhor
Via-se aquele tipo de paixão
Que você sabe que não vai
Te salvar do apocalipse
Mas que vai te garantir um novo gênesis
Minha vó não só parecia apaixonada
Mas também aparentava viver uma
Típica confusão adolescente
Primeiro começou a trocar o nome das pessoas
Me chamava tanto pelo nome do
Meu primo que eu comecei
A responder cada vez que
Alguém gritasse Diego quando
Eu a corrigia, ela suspirava e
Respondia com um sorriso, igual esses que a
Gente vê em maternidades não o que
Tá no rosto dos pais, mas aquele que fica na
Boca dos recém nascidos
Depois, começou a trocar as
Coisas de lugar sua
Casa parecia um jogo dos 7 erros
Cada armário que você abria
Te dava a sensação de estar vendo
Árvores de natal em julho hoje, por exemplo
É a 8 vez que eu tiro
Seu shampoo de dentro da geladeira
Dizem que devemos aprender com nossos erros
Mas como tirar uma lição
De algo que você não se lembra de ter feito?
Não é paixão se não te desconcerta
Se não te tira do eixo
Se não te perder o rumo
Quando os médicos deram o diagnóstico
Percebemos que o namorado da vovó
Alimentava nela uma paixão tão
Intensa que fazia com que ela
Esquecesse do mundo literalmente
Seu nome? Roberto, Roberto Alzheimer
Quando minha mãe disse que minha
Vó estava "abraçando o alemão"
Percebi em seus olhos os portões de
Auxvitz só quem viveu atrás
Deles sabe o quanto é difícil
Se lembrar da própria história!
E quando você vem nem sabe o bem que me trás
Me deixa em paz e quando você vai
A minha mente me trai me tira o que é meu e
Eu já não consigo lembrar
De quem eu sou e o que me deixa em paz
Dizem que as primeiras sensações
São parecidas com as
De acordar na casa de alguém com
Uma ressaca leva um tempo até você perceber
Que não é sua casa, mas
O que fazer quando você não reconhece mais o
Papel de parede do seu próprio corpo?
Quando os neurônios da minha vó começaram
A brincar de telefone sem fio
Seus verbos de ligação começaram
A cair na caixa
Postal e se lembrar da senha do
Correio de voz das suas recordações era quase
Como resolver palavras cruzadas
Só usando consoantes nessa hora
Se percebe que Alzheimer é quando o
Jogo da memória se transforma
Em quebra cabeça
As palavras vão brincar de esconde esconde e
Nenhuma lembrança volta pra salvar o mundo
É quando os tempos verbais deixam
De existir com tudo
Que aconteceu neles e a frase: somos o
Que comemos explica as marcas de dentes e as
Fotografias mastigadas que
Encontramos embaixo do seu travesseiro
Dizem que os olhos são as janelas da alma
Se você a olhar por algum tempo vai
Conseguir perceber fantasmas te encarando
Através das vidraças
De seu olhar são as memórias dela
Tentando te dar oi quando minha vó passou a
Assombrar o próprio corpo entendi que as
Pessoas adoram ouvir historias de
Fantasmas mas ninguém
Quer dividir a casa com um poltergeist
Por falar em fantasmas, cada vez que
Eu ia conversar com ela
Ela gaguejava tanto as
Silabas e vogais que eu tinha a certeza
De que cada bate papo, na verdade
Era a brincadeira do compasso
A única diferença entre a língua da minha vó
E um tabuleiro Ouija é que a
Tábua ainda tem o abecedário inteiro
Alzheimer é quando você entende que a
Linguagem é um veículo de
Comunicação e que sua vó tem
Se tornando um estacionamento vazio
É quando o espaço antes do parágrafo
Em sua boca se torna do
Tamanho da pagina inteira e a
Mudez vira sua segunda pele
Antes, achava que ela não falava mais
Com a gente pq aprendeu
Que quando criança que não deveria
Conversar com estranhos, hoje
Prefiro acreditar que converso com Deus
Através de minha vó
Pelo menos acho o silencio deles parecido!
E quando você vem nem sabe o bem que me trás
Me deixa em paz e quando você vai
A minha mente me trai me tira o que é meu e
Eu já não consigo lembrar
De quem eu sou e o que me deixa em paz
Quando eu era criança
Vovó me disse que quem tem memória
Boa tem memória de elefante
Alzheimer é onde morrem os elefantes
E nos ensinou duas coisas
Importantes sobre minha vó: a primeira é
Que ela era tão forte quanto
Um baobá e a segunda é que
Baobás, apesar de serem fortes
São ocos por dentro
Minha vó é uma pirâmide se tornando
Pó diante dos meus olhos
E a sensação que eu tenho ao ve la é
A mesma de ver um sarcófago
Recém descoberto: tudo parece exatamente
Deixado no lugar esperando a
Volta do antigo dono
Parece que sua vida foi escrita no espelho
De um banheiro cheio de vapor
Alzheimer é uma janela aberta hoje ela
Reconhece o próprio reflexo, mas
Não consegue ler a historia que foi escrita
Por cima dele e, ela que um dia
Foi manicure, hj, ao invés de usar
As unhas pra desenterrar o passado
Usa pra cavar a própria cova
Mas ela não sabe disso o calendário
Só existe pra quem cuida pra ela
Como pode ser o fim da vida se
Ela não se lembra que viveu?
Sei que de vez em quando, sua memória imita
Um brechó: tudo ali lhe parece familiar
Mas nada parece realmente lhe pertencer
Nesses momentos eu não preciso
Passar laquê ao invés
De perfume só pra ela sentir em mim
O cheiro de algo que ela conheça ou então
Me perguntar como posso ter certeza de
Que ela ainda me ama se talvez nem
Se lembra mais de quem eu sou
Se ela não se lembra que tudo
Isso começou quando, um belo dia
Minha mãe entrou em casa
E disse que ela tinha
Arrumado um novo namorado
Seu Roberto não sei se ele a ama
Mas sei que ele vai estar com ela
Até seu ultimo dia de vida
Quando ela fala, ainda troca meu nome, não a
Corrijo mais diego eu apenas
Sorrio, feliz, afinal
Ela ainda se lembra de alguém!
E quando você vem nem sabe o bem que me trás
Me deixa em paz e quando você vai
A minha mente me trai me tira o que é meu e
Eu já não consigo lembrar
De quem eu sou e o que me deixa em paz