Facção Central - Castelo Triste letra (lyrics)

[Facção Central - Castelo Triste letra lyrics]

Aí, Edu, eu preferia nem ter acordado
Sonhei que eu era um jogador
Fazendo gol no estádio
Corria feito velocista atrás da bola
Sem precisar ser empurrado numa
Cadeira de rodas nasci morto
Como num romance de Agatha Christie
Enclausurado no calabouço do castelo triste
Só se eu fosse Hitler em outra encarnação
Pra ter músculo atrofiado como condenação
Isso é pena pra estuprador
Político filho da puta
Pra gambé que põe flagrante no bolso da blusa
É humilhante você me limpando
Trocando minha roupa
Me dando banho, comida, água na boca
Os moleques da minha idade tão de skate
No half
Na roda de break, dando moinho do baile
Enquanto abrem o sutiã da namorada
Eu com corpo com escara sonho


Com um colchão d'água
No meu aniversário estraguei a festa
Me revoltou não ter força pra assoprar a vela
Nem me equilibrar no carrinho
De rolimã Deus deixou
Pra ajudar minha mãe vendendo
Adesivo no metrô queria ela ouvindo Roberto
E não o vigia do mercado
"Não incomoda os clientes pedindo trocado"
Saí da escola sem ler
Sem saber multiplicação
Vencido pelo riso dos alunos que
Me olhavam como aberração

Jogue a última flor
Não chora quando o caixão partir
É a ponte elevadiça do Castelo Triste
Se abaixando pra eu fugir

O mundo cultua a idolatria do corpo perfeito
Joga no hospital psiquiátrico o
Humano com defeito
Sem triagem, seleção, diagnóstico
Doente mental, físico, auditivo num depósito
O vegetal com fralda geriátrica
É descartável pra família
Mas não seu cartão da aposentadoria
Aí, cuzão preconceituoso, Beethoven era surdo
Stevie Wonder é cego e encanta o público
Depois de Einstein
O físico mais brilhante do planeta
Stephen Hawking
O matemático preso numa cadeira
Aqui te dão no
Estacionamento espaço reservado
Mas não emprego pra comprar o carro adaptado
Odiava ir na USP fazer hidroterapia
O busão todo xingando enquanto a rampa subia
Dia 26 de março de 95
Queria esquartejar o roteirista
Do meu destino porra, Deus
Não tava bom eu na cama paralítico?
Tinha que levar minha mãe
Num ataque cardíaco?
Não pude no estádio empinar pipa
Andar de moto até pra pôr uma flor no
Caixão me puseram no colo
Qual que é a pegadinha
Sou seu rato de laboratório?
Tá testando quanto um coração
Armazena de ódio? Bonnie não vive sem Clyde
Nem o verso sem o poeta
Romeu não vive sem Julieta
E eu não posso viver sem ela

Jogue a última flor
Não chora quando o caixão partir
É a ponte elevadiça do Castelo Triste
Se abaixando pra eu fugir

Tosse com sangue, febre
Inflamação na garganta
Edu, esquece o 192 e a porra da ambulância
Chega no PS, é soro e inalação
Liberam na madruga, e pra voltar sem busão?
O estagiário que atende como clínico geral
Receita pra leproso AS e Melhoral
Após seis tentativas, internado com pneumonia
Edu de acompanhante dormiu no chão 20 dias
Empresário quer sua marca líder no comércio
Anuncia no programa que
Ridiculariza o tetraplégico
Lágrima no auditório, sonoplastia que comove
Apresentador melodramático
Em vez de prótese ganha IBOPE
Mano, vai na AACD antes do baque do mesclado
Vê quantos anos de fisioterapia por um passo
Vê quantas sessões de fono por uma palavra
Veja na Paraolimpíada a
Superação pela medalha
O Patinho Feio não virou cisne
Como no livro da biblioteca
Morreu depois da alta, da negligência médica
Pela primeira vez tratado sem discriminação
Esperei 18 horas o rabecão não chora, Edu
O céu existe e eu tô feliz de ir pra lá
Se não puder pisar nas nuvens
Anjo tem asas pra voar triste é quem fica
Entre preconceito, muletas, amputações
Só não esquece de pôr no
Caixão o agasalho da Gaviões

Jogue a última flor
Não chora quando o caixão partir
É a ponte elevadiça do Castelo Triste
Se abaixando pra eu fugir

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