Chullage - S.E.F. (Suplício de Estrangeiros e Fronteiras) letra (lyrics)

[Chullage - S.E.F. Suplício de Estrangeiros e Fronteiras letra lyrics]

Ele era um retornado
Chamavam-lhe senhor Henrique
No tempo colonial
Ele tinha 'tado em Moçambique
Lá não era rico, mas tinha uma vida boa
Só que, depois da independência
Voltou p'a Lisboa
À toa, começou uma vida nova como pedreiro
Mas pouco tempo passou e
Ele já era empreiteiro
Agora andava de capacete branco e gravata
Tinha posto graveto no banco às
Custas de mão-de-obra barata
Aqui não tinha forçados a
Fazer-lhe o trabalho
Mas fazia algo parecido com esses pretos do c
Explorava imigrantes, na maioria budjurras
Para ele continuavam a ser indígenas
Pessoas burras os anos foram passando
Foram vindo mais imigrantes
E a cada um que vinha pagava
Menos que o que 'tava antes
Muitos tinham, mas muitos não tinham papéis
E a esses pagava menos e
Chantageava com as leis

Ele era um cabo-verdiano
Chamavam-lhe Silvino
Um dia chegou à obra passou-se
E quase puxou o xino não recebia há 2 meses
A vida tinha dado o pino
Ele tinha uma casa e três filhos no ensino
Não recebia tão mal assim há
Mais de quinze anos para ele
A culpa era desses filhos da p dos ucranianos
Um dia pedia 50, agora eles pediam 20
Patrão disse, se não quisesse
P'a não vir no dia seguinte
Mas já não havia estádios, estradas
Metro p'a construir
O trabalho estava mau, ele tinha que engolir
Frustrado, chegava a casa
Dava um "boa noite" rouco
Os filhos corriam para ele
Dava-lhes um abraço de pouco pousava o saco
Sentava e bebia até ficar mouco
A mulher fazia tudo o que ele queria
Mas para ele era sempre pouco "Maria, porra
Despacha-te já que um gajo tá com fome
Acaba com essa brincadeira de chegar na casa
Ao mesmo tempo que o homem!"
E um dia, enquanto discutia
Escapou-lhe a mão e deu-lhe um soco
Ele disse que não se repetia
Por isso ela não lhe deu troco
Mas de repente no outro dia já
Não foi só um soco
Repetiu-se no dia-a-dia, ela vivia num sufoco

Maria, alta, linda, inteligente, crioula
Por ser mulher
Os pais não lhe tinham posto na escola
Pairavam fantasmas das fomes de '40 e '50
E a guerra colonial estava
Na fase mais violenta além disso não chovia
Toda a gente 'tava de fuga
E um dia também Maria apanhou
Um barco p'a Tuga
Primeiro trabalhou interna
Depois passou a mulher-a-dias pelo meio
Criou os filhos da patroa como
Se fossem as suas crias o marido era macho
Não queria que ela trabalhasse
Mas ele não recebia bem
Era preciso que ela ajudasse
Saía de madrugada pr'o hospital onde limpava
À tarde, ia pr'a uma residência
Onde engomava tratava dos filhos da patroa
Limpava e cozinhava
À noite, chegava a casa, limpava e cozinhava
E ainda pegava nos filhos, deitava e tratava
Mas ela sabia
Do pouco tempo que com eles passava
Pedia a Deus para olhar para
Eles enquanto ela não estava
Principalmente para o mais velho
Que a rebeldia já se notava

Bruno, era o que eles
Chamavam segunda geração
Nascido em Portugal, verdiano no cartão
Vivia nuns blocos de pedra lá
P'o meio dum descampado
Chamava-se "realojamento"
Mas ele sentia-se desalojado
Os pais poupavam p'a fazer uma casa na ilha
P'ra ir uma vez por ano
Fazer bonito pr'a família
Por causa da merda do mês
Andavam a poupar um ano inteiro
E quando ele pedia dinheiro p'os ténis
Eles diziam
"Ca ta dja dizer que bu na tem dinheiro"
Crescera a vontade de ser mandado
Para a sua terra
Agora achava-se guerrilheiro
Vida de ghetto era a sua guerra
Ver os pais matarem-se nunca tinha
O me'mo que um pula
Via os thugs orientarem-se, muita paka
Muita moolah
Enquanto estava na escola ouvia falar
De Vascos da Gama outros estavam na rua a
Orientar cribs, cachuchos, damas
Pr'a isso não era preciso diploma
Era preciso cortar umas gramas
Via brothers que tinham estudado sem emprego
A viver dramas não era futebolista
(não) , e muito menos artista (não)
Queria dinheiro rápido e já 'tava
A seguir a pista
Os amigos chegavam, cheios de cenário
Sempre em altas começou a parar na rua e a
Acumular um monte de faltas
E a pouco e pouco
Aquilo ia-lhe fazendo fascínio dali a pouco
Ele tinha as notas da escola em declínio
Mas tinhas outras notas que eram
Aquelas que lhes interessavam
("É do meu sócio
Mãe!") mentia à mãe quando ela lhe
Perguntava ("Onde é que foste arranjar esse dinheiro?")
De onde é que ele vinha
Mas uma madrugada meteram-lhe a porta à
Frente sem lhe tocar na campainha
Passados três meses, já ninguém lhe visitava
Só os pais, a prima e a colega da
Prima de quem ele gostava
Ansiava pela visita
Para lhe tirarem daquela jaula
Elas iam ver-lhe de surra
Faltavam a uma tarde de aulas

Paula, menina de classe média
Os pais tinham-lhe criado ali
Com as mãos na rédea
Não a queriam com amigos
("freaks, estrangeiros nem paneleiros!")
Diziam que ela se casaria com
Alguém que tivesse dinheiro
'Tava farta dessa conversa
Já não tinha pachorra eram todos iguais
Ela 'tava farta dessa porra! Além disso
Curtia bué a pausa daqueles pretos
'Tava a acabar a animação
Queria estagiar naqueles ghettos
Curtia bué das tranças, do calão e do sotaque
Queria aprender kizomba
Só não curtia do Tupac
E também não entendia o porquê de tanta raiva
Ela também cagava nas conversas
Do professor Hermano Saraiva
E, apesar de tudo
Ela também se sentia oprimida
É que tinha guardado um segredo
Durante toda a sua vida
Ela não se sentia rapariga, mas sim um rapaz
E não era do Bruno
Mas da prima dele que ela andava atrás
Essas notícias lá em casa
Seriam uma coisa bombástica
Ainda por cima o irmão tinha
Engraçado com uma cruz suástica
Em casa era só guerras, já não havia sossego
A mãe tinha adoecido e o
Pai ia perder o emprego

Chamava-se Manuel, tinha crescido no interior
Mas cedo veio p'a cidade à
Procura de algo mais promissor
A vida de agricultor há muito já não rendia
Arranjou um trabalho na margem sul
Na metalurgia
Os irmãos tinham fugido para França
Na altura do ultramar
Juntavam-se em agosto na terra
A festa familiar
E todos 'tavam preocupados com
O rumo de Portugal
Ele comentava o seguinte quando
Via o telejornal:
("Isto agora é só pretalhada
Brasileiros e moldavos
Roubam nos o trabalho
Dizem que são tratados como escravos
Os filhos não se integram e
Fazem o que lhes apetece
É o carjacking, é a droga
Todos os dias acontece
Vêm para cá, mas só convivem entre eles
Só falam a língua deles
Só comem a comida deles
'Tou farto deles pelos cabelos!")
Dizia ele chateado
Mas um dia chegou ao trabalho
E o portão 'tava fechado
A polícia estava na porta e
O patrão 'tava escoltado
Dizia que tinham aberto falência
Que o pessoal estava dispensado
Mas tinham ido para outro lado
Somente para outro lado
Onde a mão-de-obra era mais baixa
O sindicato gritava palavras de ordem
Por detrás de uma faixa:

Unidade é que é preciso, unidade popular!
Unidade é que é preciso, unidade popular!
Vão ombro com ombro, vão de braço dado
São trabalhadores, estão do mesmo lado

Mas a coisa subiu de tom
E a polícia agrediu um trabalhador
E aí ele percebeu que a polícia não
Era só p'os gajos de cor
6 meses sem trabalho, perdera a esperança
Pôs a casa a alugar, tentou a sorte em França
E agora em Champigny
Só vivia entre portugueses
Falava português, ia ao café dos portugueses
""Bacalau, maçon, femme de ménage"
Diziam os franceses
Estava em Lisboa há 15 dias
Para tratar do aluguer o telefone tocou
Do outro lado ouviu-se uma mulher
("Alô? Estou ligando por causa da casa")
- "Foda-se, é preciso ter azar
Com tanta gente, é só brasileiros a ligar
Alugam uns, chegam de encontro lá uns oito
Depois só querem festas
Fazem muito barulho à noite
Ainda por cima essas gajas andam
Por aí a atacar
Estou? Sim, sim, pode passar"

Chamava-se Adriana e tinha vindo do Paraná
Com visto de turismo, mas ficara por cá
Trabalhava no Colombo
Entre as mesas e o desporto
Todos os clientes olhavam para ela como
Se fosse uma estrela porno

Mão-de-obra mais barata e
Determinante para elevar
O crescimento económico
Os primeiros a conhecer a impiedade
Os problemas familiares
São 70 334 pessoas estão desempregadas
40 mil pessoas sem trabalho
Trabalhadores contratados, sem emprego

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